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sábado, 30 de abril de 2016

PGTA 42 kms - Peneda Gerês Trail Adventure - Teaser





Podia discorrer aqui um discurso épico sobre a dureza das subidas ingremes durante quilómetros e quilometros, podia descrever as descidas técnicas de grande inclinação feitas com uma unha partida, podia até passar mensagem sobre das dores que senti, nos músculos, num torcicolo que me apareceu logo nos primeiros kms, dos joelhos que latejavam mas, nada disso...

 

Nada disso bate a felicidade que é andar livre pela montanha, nada disso bate o companheirismo do que é planear, treinar e fazer uma maratona seis horas e meia na montanha com amigos.

O prémio da corrida não é na meta, é a prova.

 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Barragem do Rio da Mula - O primeiro dia do resto da minha vida

 
Diz a canção, “a princípio é simples, anda-se sozinho”, ainda a relembrar as memórias da maratona de Barcelona que mexem muito comigo, mas tão focado nos 42 kms do Gerês que me esqueci de me inscrever para a corrida do Benfica. Ora não são os 42 kms que me assustam, “passa-se nas ruas bem devagarinho” e vai-se fazendo… não, o que me abre os olhos e me faz engolir em seco são os 1.800 metros de desnível acumulado. Nunca fiz nada parecido e o que fiz sei que me fez sofrer mesmo com cifras bem mais pequenas.
 
Assim, e pese embora a ausência do meu companheiro de trilhos, resolvi finalmente começar algo que adiava há muito tempo. “Estou bem no silêncio e no borborinho”, mas era uma ideia que já me lotava a cabeça e me escorria pelos olhos, estava farto de ler palavras e ver fotos nos blogues alheios, “bebi as certezas num copo de vinho” e decidi, tinha de começar a treinar na Serra de Sintra.
 
Numa alvorada que chorava indiferentemente à alegria da minha primeira vez, tinha combinado com um colega de trabalho às 8 da manhã, e devo ter sido o primeiro a chegar à Barragem do Rio da Mula. Nessa altura a chuva jorrava agora só pelos sulcos de serra abaixo e ela, com nuvens baixas que não a deixavam entrever, recebeu-nos coberta um véu nupcial, como se fosse a minha noiva, fitei o espelho de água que se abria à minha frente “e veio-me à memória uma frase batida…”
 
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.
 
 
Devagar começamos a correr, “pouco a pouco o passo faz-se vagabundo”, era a primeira vez que iria entrar nela, enchi-me de coragem e aqui vou eu iniciar a primeira rampa, “dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo”. Deixei de pensar na Marató, “diz-se do passado, que está moribundo”. Dei a volta à barragem, “bebi alento de um copo sem fundo” e meti-me pelo Trilho das Pontes e com a beleza daquele bosque mágico “veio-me à memória…”
 
Subimos, subimos e voltamos a subir, com algumas paragens confesso, pelas entranhas de uma floresta que se encontrava vestida a rigor de um conto de fantasia. As árvores altas, a neblina, os cheiros e os sons criam uma envolvente de magia e mistério. Pelo caminho julguei ver uns elfos por detrás de umas árvores e juro que vi, uma moira encantada.
 
 
Até que finalmente nos encontrarmos numa encruzilhada que nos iria definir o treino todo. Daí iriamos explorar o parque numa estratégia em estrela. Ainda frescos, fomos descobrir a parede que nos eleva até à mítica Pedra Amarela. Mesmo nublada, ou se calhar, por causa disso, a Serra oferece-nos experiencias e sensações que nos sopram um sorriso na cara que só nós, uns e outros que passávamos por ali sabíamos o porquê cá dentro. Podia discorrer aqui mil razões que amanhã encontraria sempre mais uma para adorar correr na montanha.
 
Depois da Pedra Amarela, com todo o ritual que ela nos obriga, lançamo-nos numa série de voltas ao parque com um grau elevado de aleatoriedade, e onde me perdi várias vezes, algo que adoro diga-se, até que com 11 kms feitos, voltamos à Barragem para planear a segunda parte do treino.
 
E é aí que eu começo a ver, primeiro ao longe, depois mais perto, uma personagem recorrente nos contos de fadas que leio semanalmente… hesito… não é? É? É! A subir a serra encontro o Capuchinho Vermelho juntamente com o Lobo… Mau? Bom, se o lobo é mau ou não, só ela o poderá dizer, mas que parecia que ele, sobranceiro, olhava para ela com algum carinho.
 
 
 
Meti-me com ela, e lá nos apresentámos – “olá Capuchinho Vermelho” “Olá Olharapo velho” respondeu ela, um pouco a contragosto :P, lá conferenciamos sobre os treinos e os próximos desafios. Despedimo-nos mas como ela foi pela rampa que nós íamos subir, obrigou-me a fazer essa rampa a correr para não dar mau aspecto. Cena que se repetiu mais à frente quando eu subia calmamente e ela estava parada a decidir para onde ir: “João corre! Que não podemos dar parte fraca às visitas." Pese embora tenha sido pouco tempo foi muito bom conhecê-la, e ela sabe-o. Gostava mesmo que um dia destes para além de nos deliciar com rampas, ou outra forma de superação, nos delicie a todos com páginas de papel a jorrar de palavras dela que se unam em ideias dela.
 
 
Um dia talvez…
 
Mas sabem como é, depois de muitos quilómetros, uma pessoa está desanimada, “os amigos oferecem-nos leito, e entramos cansados e saímos refeitos”. E toda aquela (pouca) conversa encheu-me de vontade, Olhamos para cima e “luta-se por tudo o que se leva a peito”. Fomos outra vez à Pedra Amarela, enchemos os cantis, “bebemos, comemos e alguém nos diz bom proveito”, voltamos a correr para a Barragem e ao ver aquele espelho que nos recebeu à 19 kms atrás, “vem-me à memória uma frase batida”… vou fazer isto todas as semanas.
 
Ainda há muita letra para correr e serra para cantar.
 
Hoje foi apenas o primeiro dia do resto da minha vida.